"O tempo das estações no corpo": crítica de Airton Tomazzoni para "Dezoito Estações de Outono"


(foto de Takinori Kawahara)

"Dia 27 de outubro. Porto Alegre. Sala Álvaro Moreyra. Primavera de 2024. Domingo. Mais um dia quase no calendário. Um espetáculo de dança. Dezoito Estações de Outono, com a Ana Medeiros e Hiroshi Nishiyama. E uma noite que não seria qualquer. A data marcava os 118 anos do dançarino e coreógrafo japonês Kazuo Ohno, um dos grandes mestres do butô, essa dança nascida no Japão na metade do século XX e ainda capaz de nos atualizar lições e sensações.

Tempo e presença se instauram como um par inseparável que promove um baile de imagens diante de nós, conduzidas por dois intérpretes com maturidade e domínio cênicos. Entramos num percurso que exige de quem está no palco e na plateia, uma outra temporalidade. Há de se deter, suspender, desacelerar, aceitar a duração das horas sem impaciência. Afinal é uma entrega sutil, delicada e pungente que nos é ofertada.

Hiroshi Nishiyama foi aluno de Kazuo Ohno, e por 20 anos frequentou aulas nos eu estúdio no Japão. Então também estamos diante de um intérprete que carrega os ensinamentos consigo, o que é um tributo e uma reverência. Ele carrega esse patrimônio consigo. E, em cena, ganha especial contorno com a performance surpreendente da gaúcha Ana Medeiros, que consegue encontrar a medida dessa linguagem oriental e estabelecer sentidos únicos. Ana é dona de cada gesto que se prolongam e se recolhem, que criam seus conflitos internos que vão sendo partilhados com a gente.

Vamos sendo colocados diante de cenas que constroem imaginários a partir desse corpo que se dispõe a encontrar expressão singular em cada mover. E esse processo vai das diminutas às expansivas possibilidade desses corpos que se colocam em dança. Em partituras que exploram tensões e suavidades, estranhezas e familiaridades, rumores e silêncios. O corpo que dança parindo movimentos e os fazendo sucumbirem na regência do tempo. Outonos e primaveras se misturam e se espalham assim como os gestos em cena, em estações que insistem em partilharem as sutis mudanças e finitudes do viver."

* Crítica publicada originalmente no site Cena.txt