"Respeitar as estações e escutar o tempo são lições que levo comigo", conta Ana Medeiros sobre sua mais recente imersão no Japão

De volta do Japão após a sua quarta imersão de Butoh com o mestre Yoshito Ohno, a bailarina Ana Medeiros conta, na entrevista abaixo, as melhores lembranças dessa nova experiência, e também como elas influenciam diretamente o seu trabalho com a dança no Brasil. Confiram!

Em que aspectos essa imersão foi diferente das outras?

Em primeiro lugar, desta vez cheguei lá no inverno. O Frio e a neve estavam presentes nesta quarta residência com Yoshito. A nossa amizade cresceu e o que o Butoh me ensinou foi o “olhar mais profundo para a vida”. Yoshito diz que na sala de aula se prepara o corpo, mas a essência do Butoh está na maneira como cultivamos o nosso dia a dia. O Butoh desta vez foi denso. Toquei na imensidão do espaço sem sair do lugar... Desta vez me senti mais “de casa”, também  me senti muito próxima da memória de Kazuo Ohno. Toda vez que entrava no estúdio era como se estivesse tocando os passos de Kazuo. Tive, também, a alegria de ser Papai Noel (a pedido de Yoshito), para as crianças da escolinha que Kazuo Ohno visitava.

Quais são as novas lembranças e os novos aprendizados que você traz de mais um contato próximo com o mestre Yoshito Ohno? 

Vê-lo dançar no espetáculo em Tokyo. Hoje, a dança de Yoshito Ohno ultrapassa os limites do corpo. Yoshito dança trilhando o silêncio aproximando o público ao sagrado de cada instante. Ele é uma pássaro raro e belo. Cada vez mais me encanto com meu mestre. Ele fala: “quando danço quero mergulhar na escuridão”. Essa coragem um dia quero encontrar. A memória que fica no coração foi o abraço que ganhei antes de vir embora. A forte delicadeza daquele abraço continua ecoando em meu corpo.

Hiroshi Nishiyama, que dança com Yoshito Ohno, já veio ao Brasil e você o reencontrou no Japão. Quais são as memórias que ele guarda do nosso país e de suas apresentações por aqui?

Nishiyama gostou muito de ter dançado por aqui. Ele ficou feliz com o interesse das pessoas pelo Butoh e pelo Japão. Ele sabe que a experiência de ter estudado com Kazuo e Yoshito é um  legado muito importante e deseja compartilhar com o público toda a felicidade que o Butoh lhe traz. Ele diz: “se não fosse o Butoh talvez eu não estivesse vivo e não tivesse conhecido o Brasil”. Ele gostou tanto que está vindo no meio de abril para ficar.

À parte o Butoh, quais são as tuas percepções de vida e de mundo que foram renovadas com a viagem ao Japão? O que nós podemos aprender com eles?

No Japão, a natureza comanda. Passei por dois terremotos, algo que para nós é uma catástrofe, para os Japoneses é parte da realidade. O Japão também esta bem próximo da Coréia do Norte e dos mísseis que estavam sendo lançados sobre o país. É como se por todos os lados, esse pequeno arquipélago, 23 vezes menor que o Brasil, estivesse prestes a ser atacado. Porém, lá existe uma persistência delicada em um acreditar na vida. E cada momento, nem que seja o último, é necessário e único. Os japoneses possuem seriedade e completa dedicação em tudo o que fazem. Têm atenção e cuidado com o próximo. Eles reconhecem o que a natureza nos ensina. Assim, respeitar as estações e escutar o tempo são lições que levo comigo.

Voltando ao Brasil, já é hora de retomar as aulas regulares na Casa Cultural Tony Petzhold. De que maneira essa imersão influencia as tuas aulas e o teu contato com os alunos?

Influencia totalmente. A seriedade e entrega que encontrei nas aulas com Yoshito é algo que vou buscar aqui. Cada vez mais profundo é este mergulho dentro de mim para poder dançar. Butoh, para mim, é sinônimo de vida, busco a vida (com toda sua complexidade) nas aulas, e nada menos que isso. Procuro alunos que queiram verdadeiramente dançar a essência do que são. Talvez sejam poucos os pássaros raros que queiram mergulhar no Butoh, mas são eles que eu busco.