Japão, 2018: entrevista com Michiyuki Kato


Bailarino de butoh, Michiyuki Kato já cuidou de crianças, idosos e pessoas com deficiência, prática que influencia diretamente a sua dança. Após conhecer o butoh e o trabalho de Kazuo Ohno, Kato, de coração aberto, se ofereceu para cuidar do mestre ao saber que ele havia adoecido. Permanecendo ao lado de Kazuo até seus últimos dias, ele se tornou muito próximo da família Ohno, experiência que lhe trouxe muitos aprendizados não só para a sua dança, mas também para a sua vida. E ele conta tudo na conversa que tivemos aqui no Japão e que compartilho com vocês. Boa leitura!


Há quanto tempo você dança Butoh? De que forma essa dança influenciou a sua vida?

Comecei a dançar em 1996 e a frequentar o estúdio de Kazuo Ohno em 1999. Se não tivesse encontrado o Butoh possivelmente teria sido destruído por várias dificuldades na minha vida. Trilhando o caminho do Butoh, consigo trilhar o caminho da minha vida.

Como foi o seu primeiro encontro com Kazuo Ohno? Qual a sua melhor lembrança desse momento?


A primeiro vez que encontrei Kazuo Ohno foi em filme, e logo depois comecei a frequentar o Kazuo Ohno Dance Studio. Fiquei profundamente envolvido com a dança de Kazuo pouco antes de sua apresentação "Hana" (flor), em 2001. Essa apresentação foi na época do ataque do onze de setembro (09/11). Assistindo a dança de Kazuo, senti que havia encontrando o que minha alma procurava.

Na dança e na vida, qual o legado ele deixa para quem conviveu de perto com ele?

De tesouro insubstituível no coração.

Você cuidou de Kazuo Ohno quando ele estava doente, o que deve ter sido uma grande responsabilidade. Como você encarou essa importante fase?

Fiquei impressionado ao ver Yoshito cuidando de Kazuo. Era  inacreditável e contagiante a devoção dele ao pai. Nessa época, eu já cuidava de pessoas idosas, então me ofereci para ajudar nos cuidados de Kazuo e continuei até o final de sua vida.

Se hoje você pudesse reencontrar Kazuo, o que diria a ele?

"É o maior prazer da minha vida tê-lo encontrado, obrigado por tudo".

Tendo conhecido o pai Kazuo e o filho Yoshito, como você define o butoh dançado por eles?

A dança de Kazuo Ohno era um festival, e a dança de Yoshito Ohno é uma oração. Uma flor de pedra combinava com a dança de Kazuo, e uma suave folha de papel combina com a dança de Yoshito. Entretanto, o cerne da dança dos dois se resume no profundo amor que sentiam por suas mães.

Para você, o que o butoh traz de mais precioso para quem o dança?

Alimento para a alma.

Como você acha que o Japão e o mundo enxergam o butoh atualmente?

Penso que existe uma grande diferença.  No Japão, Butoh é algo do passado, mas, em outras partes do mundo, o Butoh é uma porta para o futuro. 

Quais são as memórias, as histórias, as referências que mais vêm à tona na hora em que você dança butoh?

Lembro dos tempos quando era criança. Danço sentindo as crianças que cuidei durante o meu trabalho como terapeuta, as pessoas com deficiência e os idosos. Lembro de várias pinturas na minha dança. Ultimamente me sinto atraído pela espiritualidade que encontro nas pinturas japonesas. Danço como se estivesse esculpindo uma estátua de Buda.

Para dançar butoh é preciso...


Um coração aberto, um corpo em comunhão com a alma, pensamentos e sentimentos profundos, delicadeza e amor.