"É onde presencio o nascimento de momentos de pura beleza", conta tradutora de Yoshito Ohno sobre seu trabalho

Mina Mizohata, Yoshito Ohno e Ana Medeiros 
Traduzir a língua japonesa para outras ocidentais já é um desafio naturalmente. Contudo, Mina Mizohata, tradutora de Yoshito Ohno e, antigamente, de Kazuo Ohno, tem ainda mais responsabilidade: passar adiante os ensinamentos e a sabedoria de mestres do Butoh.

Desde 2012, Mina trabalha no Kazuo Ohno Dance Studio, onde traduz aulas de Butoh de Yoshito Ohno para visitantes de diversos locais do mundo. Porém, ela já trabalhava com Kazuo desde os anos 90. Para a japonesa, a experiência é um constante aprendizado e a ajuda a aprofundar seus conhecimentos sobre a dança.

Confira entrevista completa com a tradutora:

Desde quando trabalha como tradutora de Yoshito Ohno?
Traduzo para as aulas particulares desde 2012. Antes disso não havia aulas particulares como estas que temos agora.

Como surgiu essa aproximação?
Costumava traduzir as aulas abertas de Kazuo no final da década de 90, antes de ter meu primeiro filho. Enquanto os criava adoeci por muitos anos. Entretanto, continuei trabalhando como parte da backstage staff de várias maneiras, na maior parte das vezes nas apresentações de Kazuo e Yoshito, editando as publicações e gerenciando os arquivos. Tudo isso, porque meu marido é quem produz e faz a iluminação para os espetáculos e para as turnês há mais de trinta anos. Quando começamos a oferecer as aulas particulares, eu retornei a fazer as traduções, já que os meus filhos já haviam crescido.

O primeiro contato com Butoh foi com Yoshito? E quais foram as primeiras impressões?
O meu primeiro encontro com o Butoh foi por meio de Toru Iwashita, membro do grupo Sankaijuku nos meus tempos de faculdade. Não, na verdade, o meu primeiro encontro com o Butoh aconteceu na adolescência, quando assisti a um vídeo da minha banda preferida em que Byakkosha dançou — e eu odiei!
Depois, vi a apresentação solo de Toru Iwashita ao ar livre em um museu. Fiquei impressionada com a relação de seu corpo, sua presença com natureza e o espaço. Desde então assisti a muitos espetáculos de Butoh incluindo SankaiJuku, Min Tanaka (quando ele se definiu como um butoka, bailarino de Butoh), e também Saburu Teshigawara; entretanto, ainda não havia visto o trabalho de Kazuo e Yoshito Ohno.
Como havia lido muito sobre o Butoh e amava os textos de Tatsumi Hijikata, é claro que estava familiarizada com a importância dos dois na dança Butoh. Todavia, só fui ter a oportunidade de ve-lôs dançar muito depois. No momento em que vi Kazuo Ohno dançar ao vivo, foi como se ele apagasse tudo o que havia visto de Butoh até então. Desde aí que comecei a estudar no Kazuo Ohno Dance Studio e ter duas vezes por semana aulas com Kazuo, e uma vez na semana aulas com Yoshito. Lembro também que o modo de Yoshito ensinar era muito persuasivo.

De que forma você enxerga essa dança e a contribuição dela ao espírito humano?
É uma maneira de voltar à origem da vida e de se tornar completo. Fico impressionada ao olhar as pessoas dançando Butoh, o quanto esta dança revela sobre a essência, a alma, e a beleza do ser humano. Cada aluno desvendando diferentes aspectos do Butoh em sua dança. Para mim, a dança de Kazuo trazia o entusiasmo pela vida, enquanto que a dança de Yoshito traz a paz e o silêncio.

Qual a sensação de traduzir os ensinamentos de Yoshito? É uma responsabilidade grande?
É difícil de traduzi-lo, pois sinto uma enorme responsabilidade em transmitir os ensinamentos de Yoshito da melhor maneira possível.

No processo de transmitir e traduzir os pensamentos de Yoshito, qual a parte mais difícil? E a mais recompensadora?
A parte mais difícil é que Yoshito usa muitas palavras que são particulares da cultura Japanesa, e no Inglês não existem conceitos que as traduzam. Todavia, a melhor parte deste processo é que buscando as melhores palavras para traduzir os conceitos dele também vou aprofundando a minha compreensão sobre os seus pensamentos e sobre o Butoh.

Que momentos como tradutora de Yoshito você destacaria como os mais emblemáticos até agora?
Não sei se entendi bem a pergunta, mas quando relembro a minha trajetória como tradutora para ele, sempre me vêm primeiro esta lembrança: um homem colombiano, sem nenhuma experiência prévia com dança, estava simplesmente parado de baixo do foco de luz no estúdio. Ele havia vindo para esta aula particular, porque estava acompanhando a sua namorada, que era bailarina. Foi tão comovente vê-lo simplesmente parado ali sozinho, embaixo de um foco de luz. Naquele momento compreendi o que Yoshito sempre fala: "cada pessoa é uma obra de arte". O mero fato de estar ali, com a sua presença, já era o suficiente para revelar sua beleza. Se eu não fosse a tradutora dessas aulas tão especiais, não teria como presenciar e reconhecer essas verdades que dão corpo ao trabalho de Yoshito.

O que ele ensinou de mais valioso nas trocas entre vocês dois?
"Seja flexível no seu modo de pensar!" Yoshito é tão flexível que ele nunca se prende a um conceito. Ele sempre trabalha em dois extremos (talvez isso seja decorrente da sua experiência ao trabalhar com dois extremos, Kazuo Ohno e Tatsumi Hijikata!?). Num dia ele diz uma coisa, e no dia seguinte ele diz outra completamente oposta. Entretanto, no final os opostos criam um nova possibilidade, uma nova dança.

Dos lugares que você já esteve com Yoshito ao redor do mundo, quais marcaram mais e por quê?
Bem, na verdade eu sou a pessoa que fica no Japão organizando e gerenciando todos os assuntos relacionados ao KODS (Kazuo Ohno Dance Studio), enquanto Yoshito e o meu marido Toshio Mizohata, que é o produtor e o iluminador nas turnês, o acompanha. Então, para mim, o estúdio em Kamioshikawa é o lugar mais valioso. É onde presencio o nascimento de momentos de pura beleza.

Quais são os ensinamentos e os momentos com ele, seja como mestre ou amigo, que você levará para sempre na memória? Por quê?
"Dançar é experiência, é viver!” Dançar requer que se esteja presente, aqui e agora. Ele diz que cada momento que se vive, que se experiência, é um novo momento. E isso me alerta a não me iludir que sei alguma coisa.
Quero guardar sempre esse momento comigo: quando Yoshito sensei dançou cada movimento falando: "a vida é importante, a vida é importante, a vida é importante".
Também nunca quero esquecer o dia em que ele nos ensinou a dançar com muita atenção, para que pudéssemos transmitir a preciosidade da vida. Foi tão comovente...

Respostas em 02 de fevereiro, 2017