Sobre o Silêncio
No Japão existe uma palavra/conceito que se chama Ma, o que se traduziria como intervalo ou pausa em relação ao espaço e também ao tempo. Ma é a pausa entre uma nota e outra, é o espaço vazio em um arranjo de Ikebana, ou em um jardim Zen. As músicas do teatro Noh são também repletas de silêncios: Ma.
Nas tradições religiosas no Japão, principalmente no Zen Budismo e na religião Shinto, acredita-se que para o sagrado ou Kami chegar é preciso Ma estar presente. Neste caso Ma se torna um portal entre um mundo e outro.
Ma permeia a cultura japonesa. Ma é o tecido invisível que une passado, presente e futuro (o corpo do Butoh entrelaça os três tempos).
É pesquisando e vivendo a dança Butoh que encontro cada vez mais a voz do silêncio.
No Butoh, um dos conceitos essenciais é a transformação do corpo: the metamorphic body nos enraíza e nos liberta no limiar entre o visível e o intangível. Antes de qualquer transformação acontecer, é preciso esvaziar o corpo e escutar o silêncio.
Ma, que é o silêncio e o vazio, é um estado "a priori" no Butoh.
O que habita o silêncio? O que incorpora o vazio?
É essencial no Butoh desenvolver a escuta primordial, nela está a linguagem da natureza, dos universos internos e externos, e das vozes ancestrais.
Dançar a existência é reconhecer — antes de tudo — o silêncio.
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Esse texto vai ao ar no programa de rádio "Literatura de Programa", na Web Rádio Barril, nesta quarta-feira (25/01), às 22h.
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