Diário do Japão #2: paisagens, belezas naturais e a relação do Butoh com a natureza oriental
O Butoh nasce das cinzas, do pós-guerra no Japão, mas é nos ciclos da natureza que se cria o Butoh Body (Corpo do Butoh). Segundo a religião Shinto, existem no mundo oito milhões de deuses (sendo o número oito o que corresponde ao infinito). O sagrado Kami está em todas as formas vivas e, talvez, por isso a harmonia entre todos os seres seja tão prezada.
É com este princípio que se cria o corpo daquele que dança o Butoh. Nessa dança não existe o virtuosismo físico de grandes passos, nem a velocidade estonteante de um corpo a se mover no espaço. Ao contrário: no Butoh, a dança nasce de dentro da célula quase imperceptível, trazendo em si o potencial de todas as formas vivas. Se existe o chamado virtuosismo no Butoh, ele se dá na metamorfose destes estados e nas transições internas que o dançarino experimenta, transpondo seu corpo.
É possível dizer que o que estamos acostumados a chamar de dança, se fossemos colocar numa escala de movimento, aconteceria entre oito e dez. "O Butoh acontece entre zero e um, um e zero" (Seiji Tanaka). Muitas vezes, as pessoas só conseguem perceber que o Butoh acontece em um tempo ampliado (lento) e existe razão para tal...
No Butoh de Kazuo e Yoshito Ohno se experimenta muitos "estados" do corpo: passamos pela água, o vento, o fogo, a pedra. Tudo isso esta enraizado na devoção milenar que a cultura japonesa preza por todo os fenômenos da natureza. O corpo daquele que dança Butoh vai se transformando, trazendo em si percepções que condensam a beleza da flor, o canto dos pássaros, o barulho do vento...
O teatro Nôh, o Zen Budismo, o Shintoismo, todos eles falam sobre a metamorfose do corpo ao participar profundamente desta comunhão do ser humano com o momento presente. "O Butoh acontece em três tempos: dançamos no presente, damos voz ao passado e caminhamos rumo ao futuro" (Yoshito Ohno).
Me perguntam: com frequência como se define o Butoh? Respondo: como se define a natureza humana? O Butoh é todas as estações e suas nuances, é dar voz a todos os seres sencientes (seres que sentem) a cada instante. "Expor, dar corpo a esse mundo leva tempo. Isso requer a capacidade de desnudar a alma para dar voz ao universo rico e único que cada pessoa traz dentro de si" ( Yoshito Ohno).
Enfim, uma vida inteira para aprender a dançar o presente.