Ao encontro da dança, do legado de Kazuo Ohno e do sonho




Nos meados de 1996, em Nova York, assisti a uma performance que abalou os conceitos e experiências que trazia comigo em relação à dança até aquele momento. Foi a dança de Kazuo Ohno no espetáculo solo "Mother", que trouxe a inquietação, a curiosidade e a possibilidade de almejar a compreender e viver a dança como algo muito mais pessoal e duradouro. Algo que habita o corpo em todos os instantes, tornando a vida de quem dança não mais efémera, mas sim um ato constante de imersão no universo pessoal e de sublimação com os espaços, environment, externos. 

Lembro que depois da performance Kazuo conversou com o público e alguém lhe perguntou como era o seu preparo para as performances. Ele respondeu: “Do momento em que acordo, tudo é preparação para o instante da dança. Ou seja, dançar não é algo à parte da vida, mas sim toda ela. As interações e maneiras de se relacionar com o mundo — tudo isto faz parte do trabalho realizado na performance. Não é um falsificar a vida para a dança, mas exercitar a dança como filosofia de vida em todos os instantes.”

Foi ali em 1996, sentada na plateia do Japan Society em Nova York que senti a necessidade de aprender com ele os caminhos para suscitar a dança que englobava o mundo e uma única pessoa — absoluta e entregue. O trabalho de Kazuo exemplificava para mim a dança que sabia existir mas que até então não havia encontrado. A poesia e a forte delicadeza quando ele se movia, habitava cada instante, espaço de seu corpo e história. Naquela época já estava com 91 anos e sua dança retratava em si a trajetória do indivíduo e da humanidade. 

São tantas as emoções ao relembrar os motivos que me fizeram preparar as malas a caminho da dança e do legado de Kazuo Ohno em uma terra longínqua — do outro lado do mundo onde o sol nasce e o meu sonho me levou. Yoshito Ohno, filho de Kahzuo, diz que cada pessoa já nasce com sua dança: "o corpo está marcado, andamos com aqueles que vieram antes de nós — andamos com nós mesmos". Quero compartilhar aqui com vocês tudo o que aprendi e vivi desde então.